quarta-feira, 6 de junho de 2012

Dois Pesos e Duas Medidas

Luna viu tudo rodar, queria correr mais do que suas pernas conseguiam, parecia que ia desmanchar como Amelie Poulain¹ naquele filme do Maravilhoso destino dela mesma, seu rosto flamejava, não sabia o que fazer e ainda como fazer. Poderia ser sua única e última chance, as árvores, carros, casas, passavam numa rapidez tão grande que tudo quase se tornava cinza, ela sentia suas pernas bambas, e uma fraqueza descomunal, se pudesse voltar atrás, se pudesse assumir para o mundo que sem ele não poderia viver.
O conhecera há cinco anos. Conhecer não, já que era tudo virtual. Mas havia algo nos dois que os ligava, as conversas, os conhecimentos adquiridos pela existência de ambos, a infância, os conselhos, a luta, eram mesmo reflexo um do outro. O que era diferente é que ela dada a aventureira não possuía muita coragem para viver de subjetividades, tinha em mente se estabilizar financeiramente e enxergava que no futuro, dali a uns bons anos, poderia existir a possibilidade de mudar de estado, talvez conhecer outros ares, sem começos inesperados, e sim recomeços, em outro lugar, equilibradamente. Ele, nisso, era diferente dela, Martin, imediatista, não era de esperar, se podia ir ia, com pouco dinheiro no bolso e fazendo bicos nas cidades que passava, já havia conhecido alguns países, e o Brasil do sul ao Norte, se ele não tinha certeza de quando morreria, viveria com profundidade, com voracidade em todos os dias de sua existência.
Ele sabia exatamente as reações que ela manifestaria nesta ou naquela ocasião. Na internet entravam em horários totalmente inversos, ele notívago só postava de madrugada e ela de dia no serviço. Ela custava a adivinhar-lhe a alma, se houvesse dois elementos que pudessem classifica-los, diria que ela poderia ser a terra, fecunda, sólida, palpável, e ele o ar, auspicioso, arredio, instável.
Um dia, depois de muitos meses sem se comunicarem, ele telefonou e eles conversaram praticamente a madrugada toda, ela ainda sonolenta não sabia se estava sonhando ou se estava acordada. Ele quis vê-la, quis participar do mundo real mesmo que por um breve instante. Mas ela sentiu medo, medo de que fosse um momento tão grandioso que a fizesse perder as estribeiras, que a fizesse enlouquecer depois que ele o ar resolvesse se dissipar. Enviou-lhe um torpedo, dizendo que ele sempre apareceu na vida dela quando quis, e foi embora quando pôde, que eles já sofreram muito juntos, talvez em outras vidas no baú de outras existências. Que os eventos ou mais provavelmente os aspectos do carácter dela interferiam no crescimento de uma nova vida deles. O momento requeria diligência e que ela garantiria seu crescimento se não errasse novamente. E que era por isso que ela não ia vê-lo, para não lançar expectativas baseado em alguém que não fosse ela mesma.            
Martin não esperava esta reação dela, primeiro ficou com raiva, depois ficou desesperançoso, se antes não acreditava na humanidade, agora acreditava ainda menos, seu coração parecia aumentar e diminuir numa desmensura tão infinita que se sentia sufocando, perdido no labirinto daquelas palavras.
É por isso que ela estava enlouquecida tentando alcançá-lo no aeroporto, é por isso que faltou chão aos seus pés quando avistou o avião no céu partindo, ela quis se dissipar dos ponteiros e voltar atrás, quis se dar uma chance, mas já era tarde demais, nada traria o tempo com Martin de volta. Perdeu os movimentos do seu corpo, sentiu vontade de chorar, se arranhar, e de morrer, a inconsciência tomou conta dela que viu o seu destino parecido com o da noiva de San Blas².
Ele não retornou e o imenso vazio se fez presente.

¹Amelie Poulain- Protagonista do Filme francês de 2001, Le fabuleux destin d'Amélie Poulain, vencedor do  oscar de melhor filme estrangeiro.
²Noiva de São Braz- Noiva protagonista da música En el Muelle de San Blas, da Banda Maná.

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