Hoje acordei e vim pesquisar sobre textos vencedores de concurso, já que irei participar de um.
Encontrei o 1º Texto vencedor do Concurso Literário Assis Milton, e é incrível a coincidência, pois acontecerá a Colação de grau do Alcidino Terra Filho, conhecido por Dininho, um dos meus melhores amigos, que é deficiente visual e auditivo.
O Visível e o In(di)visível
A importância de cada dia, mero conjunto de vinte e quatro horas, reside no julgamento de quem os conta, de quem por eles anseia. Era este o dia que tinha marcado no seu calendário de parede. Saiu de casa, com o nervosismo de quem se sente nervoso pela primeira vez. Levava a despedida afectuosa e orgulhosa do pai no coração. Partiu, de mãos nos bolsos, rumo ao seu destino. Andar com as mãos nos bolsos tornou-se numa defesa, num desconforto seguro, pois assim evitava que as mãos dissessem o que inevitavelmente teria de ser a boca a dizer.
O caminho era o silêncio. O silêncio sobre rodas, depois sobre carris. O silêncio dos túneis do metro, das estações apinhadas. O silêncio da chuva nos vidros. E assim se segue uma rota traçada, até ao destino, dedilhando preocupações e afinando medos. Não queria acreditar que já tinha chegado, parecia que nem cinco minutos tinham passado. Afinal de contas, ainda nem sequer tinha chegado à estação do pensamento onde residem as coisas boas. Atravessou a porta, desceu as escadas e, como se ali estudasse há muito tempo, virou logo à direita e entrou na sua sala, onde optou por uma carteira vazia.
O professor, depois de um pequeno discurso de boas vindas à vida universitária, requereu uma pequena apresentação dos alunos. A cada aluno que se apresentava antes de si era mais um passo em relação a um abismo que se temia ser fatal. A sua vez. Chegara a sua vez. Tentou dizer o nome, mas não articulou bem o som. Apesar de não ouvir, sentiu os risos como agulhas na pele. Tentou novamente. Chamo-me André, disse. Chamo-me André e sou surdo. Um silêncio arrependido invadiu a sala, enquanto o professor passava aos próximos alunos.
Chegou o primeiro exercício, resolveu-o de olhos fechados, e, quando o professor lançou um desafio para alguém o resolver no quadro, sentiu a mão a sair do bolso, sentiu uma vontade imensurável em levantar o braço, em reclamar a sua oportunidade. Assim o fez, resolveu-o num abrir e fechar de olhos perante o espanto de todos. De regresso ao lugar, caminha confiante perante o mar de sorrisos que brilhava à sua frente. Antes de se sentar, sentiu um toque no braço, um envergonhado pedido para mudar de lugar e ajudar nos exercícios. Aceitou, tirou as mãos dos bolsos.
Finalmente tinha decidido voar.
Autor: Ricardo Nuno P. Mendes
Dedico Dininho, esta postagem à você e sua imensa força de vontade!
Encontrei o 1º Texto vencedor do Concurso Literário Assis Milton, e é incrível a coincidência, pois acontecerá a Colação de grau do Alcidino Terra Filho, conhecido por Dininho, um dos meus melhores amigos, que é deficiente visual e auditivo.
O Visível e o In(di)visível
A importância de cada dia, mero conjunto de vinte e quatro horas, reside no julgamento de quem os conta, de quem por eles anseia. Era este o dia que tinha marcado no seu calendário de parede. Saiu de casa, com o nervosismo de quem se sente nervoso pela primeira vez. Levava a despedida afectuosa e orgulhosa do pai no coração. Partiu, de mãos nos bolsos, rumo ao seu destino. Andar com as mãos nos bolsos tornou-se numa defesa, num desconforto seguro, pois assim evitava que as mãos dissessem o que inevitavelmente teria de ser a boca a dizer.
O caminho era o silêncio. O silêncio sobre rodas, depois sobre carris. O silêncio dos túneis do metro, das estações apinhadas. O silêncio da chuva nos vidros. E assim se segue uma rota traçada, até ao destino, dedilhando preocupações e afinando medos. Não queria acreditar que já tinha chegado, parecia que nem cinco minutos tinham passado. Afinal de contas, ainda nem sequer tinha chegado à estação do pensamento onde residem as coisas boas. Atravessou a porta, desceu as escadas e, como se ali estudasse há muito tempo, virou logo à direita e entrou na sua sala, onde optou por uma carteira vazia.
O professor, depois de um pequeno discurso de boas vindas à vida universitária, requereu uma pequena apresentação dos alunos. A cada aluno que se apresentava antes de si era mais um passo em relação a um abismo que se temia ser fatal. A sua vez. Chegara a sua vez. Tentou dizer o nome, mas não articulou bem o som. Apesar de não ouvir, sentiu os risos como agulhas na pele. Tentou novamente. Chamo-me André, disse. Chamo-me André e sou surdo. Um silêncio arrependido invadiu a sala, enquanto o professor passava aos próximos alunos.
Chegou o primeiro exercício, resolveu-o de olhos fechados, e, quando o professor lançou um desafio para alguém o resolver no quadro, sentiu a mão a sair do bolso, sentiu uma vontade imensurável em levantar o braço, em reclamar a sua oportunidade. Assim o fez, resolveu-o num abrir e fechar de olhos perante o espanto de todos. De regresso ao lugar, caminha confiante perante o mar de sorrisos que brilhava à sua frente. Antes de se sentar, sentiu um toque no braço, um envergonhado pedido para mudar de lugar e ajudar nos exercícios. Aceitou, tirou as mãos dos bolsos.
Finalmente tinha decidido voar.
Autor: Ricardo Nuno P. Mendes
Dedico Dininho, esta postagem à você e sua imensa força de vontade!
Felicidades pra ele!
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